Inovação Tecnológica e o Judiciário

Atualmente, observa-se a crescente influência que a inovação tecnológica apresenta em nosso cotidiano, a exemplo dos serviços de entrega, de locomoção e comunicação entre pessoas, chegando também à inteligência artificial (reconhecimento facial e vocal) e a biotecnologia (engenharia genética).

Um exemplo dessas inovações são as startups, modelo empresarial sobre o qual já comentamos nesse espaço.

Contudo, sob a ótica jurídica, nem sempre essas mudanças podem ser alcançadas pelas leis, pois essas apresentam um trâmite de elaboração demorado, ficando, muitas vezes, defasadas quanto a regulamentação dos novos cenários implementados pelo desenvolvimento tecnológico.

Assim, como qualquer relação jurídica tida entre pessoas, a inovação começa a apresentar novos desafios para o âmbito do direito, como a regulamentação, por exemplo, do vínculo existente entre profissionais cadastrados em plataformas de serviços, como no caso da Uber (locomoção), Rappi (entrega) e Singu (beleza).

Como mencionado, pela dinamicidade do mercado, os procedimentos tradicionais legislativos não são capazes de acompanhar as evoluções tecnológicas, sendo que grande parte dos problemas ligados a essa temática são direcionados ao Judiciário, formando um novo contingente de ações judiciais sobre situações completamente novas.

Um exemplo dessa problemática se deu no dia 14/08/2019, em decisão marcante da 11ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que configurou como relação de emprego o vínculo tido entre um motorista autônomo e o sistema de serviços Uber.

Essa decisão traz à tona diversas discussões acerca da visão tradicional de empregado, prevista em lei, e a constante mutação que presenciamos no setor de serviços, com a chegada das grandes empresas de tecnologia nos mais diferentes setores, como nos exemplos acima, causados pela constante inovação tecnológica.

Segundo a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em seu artigo 3º, para a configuração de relação de emprego é necessário demonstrar: a prestação de serviços com o caráter de pessoalidade (serviço prestado pela própria pessoa), natureza não-eventual (ter uma rotina fixa de trabalho), sob dependência do empregador (obedece às ordens de alguém) e mediante pagamento de salário (recebe remuneração para esse serviço).

Por outro lado, conceitualmente, a atividade do Uber são “serviços de intermediação digital (da Uber) prestados por meio de plataforma tecnológica, intermediação sob demanda e serviços relacionados que permitem que prestadores(as) de transporte independentes busquem, recebam e atendam solicitações de Serviços de Transporte feitas por Usuários(as)…”.

Como se nota, a princípio, os serviços oferecidos pela Uber não são de transporte de pessoas, mas sim de disponibilização de sistema (software) que conecte pessoas interessadas em se locomover (usuários), com pessoas dispostas a levá-las (prestadores) e, dessa maneira, o aplicativo seria apenas o intermediador entre as duas partes interessadas.

Assim, em sua fundamentação, a redatora Ana Maria Espi Cavalcanti afirmou que a discussão pairava sobre a distinção da Uber entre plataforma digital ou serviço de transporte que emprega motoristas para esse fim.

Dessa forma, analisou os requisitos tradicionais para a caracterização de relação de emprego (CLT). Quanto ao primeiro requisito, declarou ser evidente a pessoalidade, uma vez que houve à inscrição individualizada do motorista no sistema da Uber, e a prestação dos serviços pela pessoa cadastra.

Quanto ao caráter não eventual, ressaltou que a flexibilidade de horários não descaracteriza esse requisito, estando, portanto, comprovado. Sustenta ainda que se trata de trabalho remunerado, na medida em que o salário era recebido semanalmente, descontados os valores da Uber e valores recebidos em moeda. Ademais, os valores eram definidos pela própria Uber.

Por fim, argumenta também que está presente a subordinação, sendo que a redatora da decisão aponta que “não há duvidas de que a reclamada (Uber) controla e desenvolve o negócio, estabelecendo os critérios de remuneração de seus motoristas”.

Em razão dessas características, o autor (motorista) não pode ser considerado trabalhador autônomo, tampouco microempresário ou parceiro da Uber, vez que o próprio motorista custeia os gastos com o seu veículo, consumindo parte de seus rendimentos.

Dessa maneira, afirmou estar consolidada a subordinação jurídica, pois não há de se falar que o reclamante (motorista) exercia as atividades por sua iniciativa, auto-organização, estando ao controle da empregadora. Assim, finalizando seu voto, a redatora concluiu pela existência de relação de emprego entre as partes.

O momento presente ainda se mostra prematuro para apontar se a decisão proferida pela 11ª do TRT da 3ª Região é adequada às novas empresas de tecnologia ou não, como no caso da Startup Uber.

Fato é que, pela própria característica dessas empresas, que são fundadas a partir de bases como estrutura enxuta (pouco custo operacional), alta escala de serviço (muitas pessoas com interesse no produto) e modelo replicável (fácil de reproduzir em outros locais), uma decisão que insira na seara de inovação tecnológica relações jurídicas tradicionais, se adotado em larga escala nas decisões judiciais (e, porventura, na própria legislação), pode afetar largamente o desenvolvimento dessas companhias, ensejando custos não planejados, e limitando seu crescimento.

Por outro lado, sabe-se que as relações tecnológicas buscam a redução de todos os custos possíveis na sua implementação, bem como criam novas áreas, por vezes complexas, podendo esbarrar em questões legais, especialmente o direito do trabalhador, como foi o caso em questão, em decorrência da falta de regulamentação daquela relação específica.

Como mencionado, por estarmos no início das discussões acerca dessa temática, ainda se mostra antecipada a adjetivação da decisão supra, tomada de forma isolada, mas com base em situações semelhantes em outros países.

Haverá, de certo, novos casos a serem analisados e, dessa maneira, poder-se-á analisar os efeitos práticos ocorridos tanto no âmbito dos direitos individuais dos trabalhadores quanto ao direito dos empreendimentos.

O que se espera, todavia, é a não militância enviesada para ambos os polos. Deve-se levar em consideração as peculiaridades de cada parte, as suas importâncias e a constante mutação ocorrida no mundo jurídico das relações, a fim de colimar os direitos pessoais, a atividade empresarial e a inovação tecnológica.

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